27 de ago. de 2009

NESCAFÉ: NÃO DEIXE A VIDA ESFRIAR


*Conto escrito para o concurso Nescafé

**Autoria: Carla Zart Broecker

Era um final de tarde comum na casa dos Souza. Jorge, funcionário público de meia-idade, retornava depois de um entediante expediente em meio a papéis e números. Selma, sua esposa, professora aposentada, aguardava-o enquanto passava o restante das roupas empilhadas sobre a máquina de lavar.

A casa parecia vazia, após a saída dos dois filhos para uma temporada de estudos no exterior. Havia mais de ano que a vida do casal enfrentava a mesma rotina; Selma dedicava-se às tarefas domésticas e gastava as horas de seu dia envolvendo-se com os afazeres do lar, aguardando o tão esperado retorno de seu marido. Jorge, por sua vez, entediado por conta de seus 28 anos como servidor público no mesmo setor, contava as horas para a aposentadoria e não conseguia pensar em outra coisa. Seus planos de vida estavam todos congelados, aguardando o tão esperado momento de libertação.A vida estava monótona e passava lentamente, até que a fatídica situação aconteceu.

Quinta-feira, 10 de setembro, fim de tarde chuvoso. Jorge chegou em casa esgotado e desejando um longo banho quente. Selma havia deixado uma lasanha aquecendo no forno, enquanto separava feijões para o almoço do dia seguinte, pois seu marido almoçaria em casa, coisa que raramente acontecia. Enquanto passava os feijões bonitos para um lado, separando-os dos estragados, tentava mentalmente calcular os gastos do mês anterior com o supermercado. Não conseguindo fechar a conta, recorreu ao celular de Jorge, que estava sobre a mesa da cozinha junto com a sua pasta de trabalho, para acessar a calculadora. Ao abrir o aparelho, não pôde deixar de notar o recebimento de uma nova mensagem e, num minuto de impulso e curiosidade, decidiu ler o conteúdo: “Adorei o almoço! Beijos e mais beijos, Aninha”.

Com as mãos trêmulas, Selma sentou-se num banquinho próximo e viu a sua vida passar em flashes por seus olhos: o namoro com Jorge, o lindo casamento, o nascimento de seus filhos, o companheirismo nos momentos difíceis... e, inclusive, os planos ainda não concretizados que estavam guardados para quando Jorge finalmente estivesse aposentado. Tudo veio à sua mente numa velocidade incrível e Selma não conseguiu conter as gordas lágrimas que brotavam de seus olhos. Escutou, então, o chuveiro ser desligado e, muito rapidamente, secou o rosto com o avental. Retomou seus afazeres como se nada tivesse acontecido, pois não poderia demonstrar sua intranqüilidade enquanto não tivesse decido o que fazer com a informação bombástica.

Foi com o raiar, quase primaveril, do dia seguinte que uma nova Selma levantou-se para preparar o café. Selma, esta, que decidira lutar pelos seus 29 anos de casada. Não seria uma Aninha, com seus 20, 30 ou 40 anos, que destruiria a sua vida e os seus projetos familiares. Rapidamente pensou em um plano de ação, que colocaria em prática algumas horas mais tarde.

Selma gastou a manhã com telefonemas: ligou para o seu salão de beleza e marcou hora para fazer a mão, cortar e pintar os cabelos e (por que não?) receber uma massagem relaxante. Encomendou de uma floricultura próxima, um boquê com 12 rosas vermelhas, pedindo que fossem entregues em sua casa, às 19h, sem cartão... e decidiu que não faria janta naquela noite: encomendou uma pizza e abriu uma garrafa de vinho chileno, empoeirada e esquecida há muitos meses num canto do armário. A partir daquela noite Selma não seria mais a mesma mulher, seria a nova e recém construída “Selminha”, uma mulher vaidosa e interessante que, de acordo com o seu plano, estaria tendo um (fictício) caso extra-conjugal.

Neste mesmo dia Jorge chegou em casa distraído, como de costume, e quase enfartou quando encontrou sua mulher muito bem vestida, com cabelos sedosos, unhas pintadas de vermelho e salto-alto. Selma estava sentada no sofá com as pernas cruzadas, bebendo um cálice de vinho. Havia rosas vermelhas sobre a mesa de jantar e a cena toda pareceu muito sensual; Jorge pensou que estivesse sonhando.

Segundos mais tarde, apesar de estar sem palavras, ele sentiu-se diferente; parecia que havia inalado um cheiro conhecido, cheiro gostoso de pãozinho da infância, feito à mão por sua falecida mãe. Foi tomado por uma sensação acalentadora, como se o tempo nunca tivesse passado; era como se eles ainda fossem um jovem casal de namorados, que sonhava com o casamento, com os filhos e com a casa que tentariam, com todo o esforço, construir juntos.

Jorge, encantado, convidou Selma (ou Selminha!) para jantar fora. Seu banho, nesta noite, foi rápido e ágil; queria logo estar pronto para aproveitar a noite com a sua (nova) mulher. Jantaram fora nesta e em muitas e muitas outras noites. Selma sentia-se muito atraente e sedutora, afinal, estava ganhando a guerra contra Aninha, a tal moça de 20, 30 ou 40 anos. Selma empolgava-se, Jorge empolgava-se; Virou uma disputa sadia em que um tentava surpreender o outro com convites inusitados, com novas receitas, com filmes românticos tirados na locadora, ou apenas com suspiros enquanto observavam o pôr-do-sol.

Foi então que Jorge decidiu: Dariam uma festa em comemoração aos seus 30 anos de casados, onde renovariam os seus votos matrimoniais. E a festa realmente aconteceu! Os filhos vieram do exterior para o evento, e os parentes e amigos mais próximos, admirados, não sabiam explicar o que havia acontecido com o casal, pois estavam mais felizes e joviais do que nunca. Após a festa, Selma também tomou uma importante decisão: faria com que o tempo para a aposentadoria de seu marido passasse rápido, e para tal, levaria adiante a proposta de não deixar a vida esfriar! Nunca mais...

Desde então, não há um dia em que Jorge não agradeça o “milagre” que aconteceu em suas vidas; não há um dia em que Selma não pense em Aninha e no favor que prestou ao seu casamento e a sua família... E Aninha... Bem, não há um dia em que Aninha não pense no que poderia ter feito de errado naquele almoço com Ricardinho, pois, após mandar a mensagem carinhosa para o telefone dele, anotado às pressas no guardanapo de papel, nunca recebeu resposta.

4 comentários:

  1. Felicidades pelo teu dia! E pelo meu "futuro" dia! hehehe
    Amei o conto...
    Bjo

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Seu texto está lindo e o edital só pode estar errado. Pois 400 caracteres mal cabem o SLOGAN Era uma vez ... "não deixe a vida esfriar" com um FIM !!! Se fosse só ua frase eles deveriam ter postado isso ao inves de dizer que era u conto com dreito a duas paginas em um livro de 56 paginas... Viajaram...Sou solidária pois meu conto esta no ar tbm!!!

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  4. Oi amiga, tentei postar no link mas como vc não deu certo!!!
    Já esta aqui, o conto em meu BLOG, em protesto a esse engano de promoção.
    bjs querida

    http://fiohnna.blogspot.com/2009/09/poda-do-cafe.html

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